Sobre chateações e novos aprendizados com mary wollstonecraft e mary shelley
Se você gosta de reclamar e de literatura gótica, indico a leitura.
Quem é vivo sempre aparece.
Aproveitei uma mini folga no mestrado para escrever sobre minhas últimas leituras, tenho que fazer isso para ensinar minha mente a como separar a leitura de fruição e leitura acadêmica.
A UFPI aderiu à greve (finalmente) e por enquanto não estamos tendo aula, mas o ritmo frenético de pesquisa ainda está rolando, afinal, a CAPES não espera ninguém. Confesso que sinto falta das aulas, é o que me mantém sã. Apesar de possuir uma natureza solitária, só eu sei como meu psicológico fica quando passo mais de uma semana sem contato humano; definitivamente não sirvo para ser a pesquisadora ermitã.
Inclusive, escuto muito por aí que a personalidade ideal do pesquisador é que ele seja essencialmente solitário, o que acho um completo absurdo. Eu necessito da troca de ideias com outras pessoas para que minhas próprias ideias se desenvolvam, além disso, se não estabelecermos conexões, nossa tarefa como cientistas das humanidades meio que não fará sentido algum.
Ainda bem que eu tenho o GEMAL, que me permite estar sempre conversando com meus colegas sobre as pesquisas e a vida (eu adoro uma divagação básica).
Participei recentemente do ENAFDM, que foi gigantesco e contou com a presença de vários pesquisadores do insólito ficcional de vários cantos do Brasil. Foi encantador poder participar desse evento ao lado dos meus colegas e professores, situações assim são ótimas para o amor próprio e para nos tirar da espiral de síndrome de impostor.
Tudo isso faz compensar a exaustão de ter que escrever artigos e preparar slides. Estou escrevendo isso para que a Milena do futuro se lembre do que realmente vale a pena quando o que ela mais vai querer é largar tudo e chorar em posição fetal. Enfim, espero que a greve acabe logo, que os professores e servidores tenham suas demandas atendidas e que eu tenha a biblioteca da UFPI de volta para a minha vida.
Uma biografia sobre as vidas extraordinárias de Mary Wollstonecraft e Mary Shelley
Agora, irei falar sobre um livro que já se tornou um dos melhores que li na vida: o Mulheres Extraordinárias: as criadoras e a criatura, que é uma biografia sobre Mary Wollstonecraft e Mary Shelley escrita por Charlotte Gordon. Foi publicada no Brasil pela editora Darkside e conta com tradução de Giovanna Louise Libralon. Antes de falar sobre o conteúdo do livro, vou ressaltar algo que me irritou um pouco em relação a essa edição: a tradução do título.
Na minha opinião, o título em inglês, Romantic Outlaws: the extraordinary lives of Mary Wollstonecraft and Mary Shelley, faz muito mais jus ao conteúdo da obra e deveria ter sido traduzido literalmente ou quase literalmente. Não sei qual foi objetivo editorial, mas o “as criadoras e a criatura” meio que soa sem sentido para mim e não conversa com a obra.
Não é a primeira vez que me irrito com esse tipo de tradução de títulos por parte da Darkside, há outro livro deles que amo muito, o Grimório das Bruxas, que teve seu título tirado de contexto. Em inglês, o título é The witch: a history of fear, from ancient times to the present., foi escrito pelo historiador Ronald Hutton e se trata de um apanhado histórico sobre o medo do sobrenatural desde a antiguidade até a contemporaneidade. Não acho que o título seja esclarecedor sobre a temática da obra, afinal, se tem uma coisa que não encontraremos nesse livro é um grimório de bruxa, que é um tipo de diário onde as bruxas escrevem sobre seus feitiços e tudo aquilo que envolve a sua prática de maneira pessoal.
Enfim, apesar desse detalhe, a biografia é magnífica. Durante a leitura, percebi que a autora foi muito honesta ao escrever sobre a vida dessas duas mulheres geniais. Uma das coisas que mais me surpreendeu sobre Mary Wollstonecraft, é que ela sofreu um bocado de amor e era daquelas que ficava mandando cartas furiosas para o amante por causa do fato dele a ter abandonado. Nunca a tinha imaginado como uma mulher que amou alguém tão ardentemente. Saber disso só me fez admirá-la ainda mais, acho que é sempre bom lembrar que feministas também amam e sofrem por amor.
Outro fato que me fez admirar Mary W. foi saber sobre sua paixão por lecionar, ela fazia questão de pregar sobre a importância de ensinar jovens mentes a construir, desde cedo, uma opinião crítica sobre o mundo e a sociedade.
Também achei bacana saber que ela tinha um crush enorme pelo pintor Henry Fuseli, só que ele não a correspondeu, pois já era casado. Adoro as pinturas de Fuseli e acho que ele foi um dos pintores mais bem sucedidos em retratar o sentimento gótico que pairava no século XVIII.
As partes que contam a vida de Mary Shelley me deixaram imersa em puro deslumbramento e serviram para aumentar ainda mais minha obsessão por ela. Eu já sabia que ela era muito fodona, mas ler sobre seus sentimentos, suas opiniões sobre a alma humana, política e ciência foi algo mágico. Mary S. fazia questão de seguir com afinco as ideias defendidas por sua mãe sobre a liberdade das mulheres e da educação como ferramenta libertadora da alma humana.
Inclusive, ela amava estudar, creio que se ela fosse viva nos dias hoje com certeza estaria participando do #studygram.
“É apenas nos livros e em atividades literárias que sempre haverei de encontrar alívio.” (trecho de uma carta de Mary Shelley presente na biografia)
Esse livro é ainda uma ótima fonte para quem gostaria de saber mais sobre o processo de criação de Frankenstein. Por exemplo, Charlotte Gordon apresenta uma perspectiva sobre a obra de Mary S. que eu ainda não tinha parado para refletir, o fato de ela ter colocado na Criatura muitos traços de sua personalidade e algumas vivências. Eu já sabia da questão da maternidade que envolvia a obra, graças às minhas leituras sobre o gótico feminino. E aqui eu gostaria de citar o livro Literary Women de Ellen Moers, que criou o termo Female Gothic ao analisar obras escritas por mulheres nos séculos XVIII, XIX e XX. Moers, observou que o gótico feminino seria uma vertente que possui em sua essência a representação do mal sofrido por mulheres através da ficção. Ao comprovar sua teoria, Moers utiliza o exemplo de Frankenstein, em que ela afirma que Mary Shelley usa o processo de criação abordado na obra como uma forma de representar a maternidade como algo monstruoso, tanto em aspectos físicos, metafísicos, morais e religiosos. A própria Mary S. relata que escrever Frankenstein foi como um processo de dilatação.
A biografia também aborda, como era de se esperar, sobre o relacionamento conturbado e intenso de Mary Shelley com seu marido, Percy Shelley. Uma das curiosidades que eu mais amo sobre esse casal é que ela manteve o coração dele calcificado dentro da gaveta de sua escrivaninha, que só foi encontrado por seu filho depois de sua morte. Isso foi o mais gótico que alguém poderia ser na história da humanidade e nunca ninguém vai superar isso.
Lord Byron aparece algumas vezes, afinal, ele era um dos integrantes da “liga do incesto”, — apelido carinhoso dado à gangue pela sociedade da época — grande amigo e admirador de Mary, assim como John Polidori que nutria um crushzão por ela.
Essa biografia realmente me emocionou e eu sinto que é um daqueles livros que toca sua alma e te faz evoluir como pessoa. Senti todo o tipo de sentimento lendo sobre a vida dessas mulheres, cuja memória carrego comigo como uma fonte de inspiração. Provavelmente irei sempre revisitar essa obra por aqui, pois ela é extremamente carregada de aprendizados.
Últimas leituras
Além da biografia das Marys, tive outras leituras magníficas que deixarei para falar mais sobre em outra edição da newsletter porque a edição atual já está muito extensa e eu sinto que os livros que li merecem um espaço maior de destaque.
Consegui conciliar a leitura de 10 livros com as leituras do mestrado, uma grande vitória.
Segue a lista com as minhas leituras do primeiro semestre de 2024:
The Woman Destroyed - Simone de Beauvoir
Norwegian Wood - Haruki Murakami
Os perigos de fumar na cama - Mariana Enriquez
Frankenstein, ou o Prometeu Moderno - Mary Shelley
Oryx e Crake - Margaret Atwood
O que é Crítica Literária - Fabio Akcelrud Durão
Poor Things - Alasdair Gray
Mulheres Extraordinárias: As criadoras e a criatura - Charlotte Gordon
A Rainha do Ignoto - Emília Freitas
Lua em Foice: Autoras italianas de ficção gótica, insólita e de horror - org. Julia Lobão, Karine Simoni
Recentemente comecei a leitura de Úrsula, escrito pela minha conterrânea Maria Firmina dos Reis. Estava devendo essa leitura há bastante tempo e por isso fiz questão de incluí-la na minha lista de autoras insólitas que pretendo ler esse ano. Fiz essa lista como uma espécie de atividade extracurricular do mestrado. Já que eu pesquiso sobre autoria feminina e gótico feminino, acho importante estar a par sobre essa temática, serve para me tirar um pouco da teoria e me situar mais ainda no terreno do artístico.
Para finalizar essa edição, eu queria só acrescentar um comentário sobre a última edição do Salipi, que aconteceu no início de Junho. Eu não vou entrar no tópico preço de livros porque eu já sinto que isso aqui tá maior que uma dissertação. Acho o evento tão importante para o nosso Piauí, mas sinto que ele não está tendo o cuidado que merece. Não é sobre o quesito público, o Salipi sempre lota muito. Eu estou falando sobre zona de conforto, sobre não se preocupar em inovar, sobre querer agradar quem nem se importa com o que o evento realmente representa. Isso me deixa chateada, pois o público do Salipi merece inovação, merece um evento que acompanhe o cenário literário nacional atual. Eu sinto que o evento não está mais sendo feito para agradar o povo do Piauí, mas para agradar um público seleto de pessoas que nem do Piauí gosta.
Mais uma coisa: senti falta de autores nordestinos de horror/insólito. Eu sei que esse é um tipo de literatura que não agrada ao grande público mas é meio impossível ignorar o boom atual de autores nordestinos que estão escrevendo histórias macabras. Eu fiquei até sonhando com uma palestra com autores de horror piauienses e autores de outros estados do nordeste. Acabou que ficou só em sonho mesmo.
Reclamações feitas, alma lavada.
Encerro minha fala por aqui.
Obrigada por ter lido as vozes da minha cabeça.
Até a próxima!
Milena M.
Agradeço à minha querida amiga Ingrid Santos (@holaingridsantos) pela revisão textual dessa edição.
P.S: Os professores federais decretaram fim da greve no dia 28/06 (quinta-feira).
o grimório das bruxas é um livro maravilhoso por seu conteúdo, eu indico fortemente se tu gostar de história da bruxaria porque o escritor vai a fundo para investigar processos inquisitórios, ele chega a abordar isso até em países fora da europa. eu aprendi muita coisa. fico muito feliz que você tenha gostado do meu texto, uma honra 🤍
adorei saber sua opinião sobre o livro das Marys, eu sinto o mesmo que você quando li. eu li ele em 2022 e penso nele até hoje, fiquei ainda mais obcecada pela Mary Shelley e a admiração pela Mary Wollstonecraft aumentou imensamente. também não gosto da tradução, acho desnecessária assim como esse outro que você citou, eu nunca havia me interesado por esse livro O grimorio das bruxas até você dizer o real conteúdo dele, eu achava que era algo ficcional de fantasia. agora preciso ler. adoro ler o que você escreve <3